quarta-feira, 3 de julho de 2013

Enquanto




Luci Afonso


Após quatro anos, três meses e dezoito dias, resolvo começar a fisioterapia indicada pela neurologista. Antes, porém, tenho de fazer uma avaliação.
Minha mãe avisa:
— Vou também, para você não desistir.
— Não precisa.
— Precisa, sim.
Com cinquenta e dois anos nas costas, sou conduzida por uma velhinha de setenta e quatro, com 20% de visão no olho esquerdo, zero de audição em ambos os ouvidos, 80% de entupimento na coronária, hipertensão e diabetes.
— Veio trazer a nenê? — brinca a recepcionista.
— Vim.
A terapeuta é gentil e atenciosa, mas tenho dificuldade em abordar o problema. Minha mãe ainda não acredita no diagnóstico.
— Não tem lógica — ela argumenta.
— Por que não, mãe?
— Porque Deus é justo. Não ia te mandar essa merda.
Justo ou não, descobri que tenho uma doença incurável, mas não fatal, e que exige diversos cuidados.
Terminada a avaliação, agendo dez sessões, a primeira já amanhã.
— Você quer que eu te traga?
— Pode deixar, mãe.
— Você vem sozinha?
— Venho.
— Vem mesmo?
— Juro pela senhora.
Na tarde seguinte, ao descer para pegar o táxi, encontro-a sentada na portaria.
— Eu não tinha nada para fazer. Quero ver como é essa tal de fisioterapia — ela dá a mesma desculpa nas nove vezes seguintes.
No amplo salão cercado de vidro, um bando de velhinhos trêmulos exercita braços, mãos, pernas e pés atrofiados. Lá fora, outros fazem hidroterapia na piscina aquecida. O clima é de intimidade e animação. As mulheres trocam receitas ou falam sobre os netos. Os homens discutem política ou futebol e olham discretamente o corpo jovem das fisioterapeutas, realçado pelo uniforme de malha colante.
No espaço reservado aos acompanhantes, à beira da piscina e com vista para o salão, há cadeiras confortáveis e uma mesa com chá, café e biscoitos. Minha mãe escolhe um lugar à sombra, serve-se de café e começa o bate-papo com alguém próximo. Às vezes, aponta para mim, orgulhosa. Quando não está conversando, apenas me observa.
A sessão tem início com vinte minutos de analgesia, propiciada por deliciosos choques elétricos de baixa intensidade na parte direita do corpo. Seguem exercícios de alongamento e reabilitação muscular, que, acabo de descobrir, só terão resultado a longo prazo. As primeiras dez sessões vão se desdobrar em dez, outras dez, mais dez — a marca dos cem não é novidade por aqui.  Felizmente, paciência é o meu ponto forte.
Ao final, minha babá comenta:
— Esse tal de Parkinson não te vence, filha.
Enquanto ela estiver ao meu lado, sou mesmo invencível.

Agosto de 2012

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