Luci Afonso
Esta primavera vou
ficar em casa.
Deitada no sofá, ouço o
grito suicida das cigarras. Debruçada na varanda, recolho pingos frescos de
chuva, os primeiros e os últimos. À noite, a lua atravessa a persiana do quarto
e ilumina meu corpo, enrodilhado no lençol de quinhentos fios egípcios.
Companhia, só quero a
do filho, da mãe e do gato, prolongamentos espontâneos de mim. Vozes, somente a
dos fantasmas queridos, das crianças bem pequenas ou dos velhinhos solitários. Carícias,
apenas a do vento que gentilmente me refresca o rosto.
Os homens não me olhem:
estou feia. Os amigos não me procurem: estou ausente. Para quê encontrar
pessoas? Já conheci todas que posso suportar.
Não preciso de fatos —
o mundo gira sem mim. Só me interessam a folha caída na grama e o poema
sussurrado pela árvore antiga.
Desvaneço nesta
primavera invertida. Embrenho-me na profundidade escura da terra para implodir
meu canto, até que a morte branca do ipê venha me nutrir de seiva bruta para a
próxima estação.
Outubro
de 2010
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