quarta-feira, 3 de julho de 2013

Mãe Mar



Luci Afonso

Andamos lado a lado na praia vazia, catando as raras, minúsculas conchas trazidas pelo mar. Hoje faço cinquenta anos. Ela tem setenta e ainda cuida de mim:

— Movimenta o braço! Pisa na água! Cadê a bolinha?

Ela insistiu muito para que eu viesse nesta viagem. Providenciou reservas, passagens, estada. Andou de avião pela primeira vez, para que pudéssemos ficar vinte dias em Guarapari, conhecida pelas propriedades medicinais das areias monazíticas. O atual nome da cidade, que significa “armadilha de pássaro”, e o antigo, “garça manca”, são adequados à minha situação.

— Você precisa se mexer, sair do lugar! — ela incentiva.

Estas férias são minha última esperança de retomar a vida normal. Após o diagnóstico, sinto muito desânimo e saio pouco. Não dirijo mais, só ando de táxi ou carona. Não me adaptei aos remédios, não comecei a fisioterapia, não estou fazendo atividade física, que supostamente me traria bem-estar. Não, não, não. Continuo me perguntando: por que eu?

— Cansou? Senta aí na água e enfia a mão na areia. Vou buscar uma água de coco.
Os turistas começam a chegar, entre eles, minha irmã mais nova, seus filhos e o meu, os três adolescentes. Trazem barracas, cadeiras, caixas de isopor. Os ambulantes já circulam, oferecendo produtos inimagináveis.

— Olha que linda a tatuagem! Você vai no caiaque ou no banana boat primeiro? Espera que eu vou tirar sua foto.

Vejo um casal de velhinhos se preparando para o banana e me arrisco a acompanhá-los. (Ouço a mulher dizer ao companheiro: quero experimentar tuuudo!) Somos rebocados até a lancha, que vai atingindo velocidade à medida que se distancia. Os velhinhos riem alto enquanto somos sacudidos pelas ondas. Esqueço por um instante minhas preocupações e descubro que estou viva. O vento, a água, o sal, o sol... viva!
A silhueta esguia me acena da praia. Na volta, ando de caiaque, faço uma meia-lua de henna no tornozelo e enfeito o cabelo com trancinhas de tererê. Provo também o espetinho de peroá e o pastel de bacalhau. Estou... viva. Quero... tudo.
— Você vai ficar boa — ela garante, depois de massagear meus pés à noite. (Te amo, mãe. Eu também, filha, pensamos.) Ela ajeita a coberta e apaga a luz, acariciando o ventre morno que ainda me abriga. Amanhã caminharemos de novo na areia aquecida pelo primeiro sol. Não desisto. Quero voar.

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 Julho de 2011

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